segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Da imensidão patagônica aos glaciares























Dois dias de estradas foram suficientes para entender o que significa uma “solidão ptagônica”. Ao deixar Bariloche cruzamos estradas boas, sinuosas e bonitas, até chegar na famosa Ruta 40, que corta a Argentina do norte ao Estreito de Magalhães. No primeiro trecho asfalto bom, mas enfrentamos um pouco mais de 100 km de ripio, um pedregulho arredondado que pode variar de um pequeno cascalho minúsculo a uma pedra de quase 10 cm de diâmetro. O carro chacoalha, derrapa, levanta poeira. Ninguém ultrapassa ninguém e quando há cruzamento em sentido contrário se reduz bem velocidade para não arremessar pedra no outro veículo. Há muito pouco movimento nestas vias. Para evitar este caminho teríamos que rodar uns 600 km a mais que o planejado. A estrada de rípio cruza propriedades rurais, planuras imensas e paisagem árida.
No final do primeiro dia chegamos a Perito Moreno. Apesar do nome da cidade, ela não tem glaciares, não tem nada. Nada mesmo. É só um ponto de passagem para quem vai ao sul. Mas estava lotada às 21h quando chegamos, ainda com sol alto. Todos os hotéis com placas de “lotado”, em vários idiomas. Procuramos, ainda, cabanas para alugar, em vão. A última opção seria um camping. O primeiro que vimos era sujo e mal freqüentado. No segundo, utilizamos o equipamento emprestado pelo Frank e a Ana Paula para situações de emergência: barraca e sacos de dormir.
O Raulito
Quase numa esquina da rua principal encontramos o mini-camping do Raul. O próprio dono nos esperou na rua. Baixinho, capacete de obra amarelo, falando pelos cotovelos, nos mostrou o pátio de sua casa onde, em um gramado bem cuidado, já havia umas três barracas estabelecidas, todas de estrangeiros. No centro do quintal uma construção estranha, redonda, metálica e amarela, com quatro camas imundas nos foi oferecida com entusiasmo, "el bunker", mas declinamos. A higiene indicava o gramado como melhor opção. E o Raul falando sem parar, andando em nossa volta, elétrico e cobrando caro. Como não teríamos outra opção e os banheiros eram limpos, ficamos.
Montamos a barraca e inflamos o colchão em poucos minutos. Enquanto isso, Raul atendia sem parar pessoas que chegavam, umas atrás das outras. Em pouco tempo o mini-camping ficou repleto de gente de vários idiomas. Com alguma dificuldade conseguimos um lugar para jantar e dormimos. O vento forte típico da região balançou a barraca a noite inteira, mas dormimos bem.
Quando acordamos, Raúl já sassaricava entre as barracas, contava histórias e falava com todos ao mesmo tempo. O camping estava ainda mais cheio, inclusive com pessoas que dormiram dentro de seus carros, por falta de alternativa. Pagaram muito ao Raul só para usar o banheiro e o estacionamento.
A figura folclórica se despediu de nós calorosamente.
De volta à Ruta 40
Quando fomos abastecer verificamos no GPS e nos mapas que 490 km nos separavam do nosso próximo destino. O frentista deu a notícia apavorante: temos apenas 50 km de asfalto. A verdadeira Ruta 40 ainda não tinha se apresentado.
Soninha no volante venceu rapidinho o trecho pavimentado e chegou no rípio. A paisagem cada vez mais agreste. O vento forte balança o carro. A velocidade fica em torno dos 60 km/h e as vezes mais baixa. A estrada parece se desdobrar e os quilômetros são vencidos um a um, na maior morosidade.
Tudo parece deserto. A aparição eventual de lebres, emas, tatus e guanacos mostra que há muita vida selvagem naquelas paisagens que representam o que é a maior extensão da Patagônia. A solidão é um sentimento inevitável, uma vez que raramente se vê um carro indo ou vindo. Vez que outra se passa por uma casinha perdida, lá no meio. São as estâncias rurais, geralmente utilizadas também como unidades turísticas de pouso pra viajantes. O resto é horizonte.
Nesta estrada um carro robusto faz toda a diferença. Ganha-se em segurança e conforto numa escala gigantesca. Carros menores passam pela 40, mas certamente não chegam íntegros ao outro lado. Esta “ruta”maltrata a todos.
Socorro na estrada
A monotonia da viagem foi quebrada drasticamente perto das 16h. Encontramos duas motos argentinas estateladas na estrada. Os pilotos estavam bem, mas nervosos. Uma pedra havia perfurado o carter de uma delas, e o outro tentou rebocar a avariada. Claro que isso não eu certo, e as duas tombaram no rípio. Oferecemos auxílio. Eles não acreditaram quando dissemos que tínhamos os cabos necessários e disposição para rebocar a moto quebrada até a próxima estância, 25 km adiante.
Rebocar uma moto no rípio não é fácil. Nos primeiros 500m a moto voltou a tombar. Combinamos novos procedimentos. A moto seguiria no trilho do pneu e pararíamos algumas vezes para descansar o motociclista. Vencemos o percurso em pouco mais de uma hora de tensão. A operação era de risco. O cabo de reboque tinha que se manter esticado para a moto não enroscar nele. O perigo permanente era a moto cair e eu arrastá-la com seu piloto.
A operação de solidariedade terminou na estância La Angostura, que já era o destino dos acidentados. Atrasamo-nos, mas saímos convictos de que fizemos o que deveria ser feito. Naquela imensidão qualquer infortúnio é muito grande. E se fossemos nós a precisar de ajuda?
De volta às montanhas
Mais algumas horas e chegamos ao asfalto da Ruta Provincial 23, que nos levou a El Chaltén. A chegada na cidade compensa o dia inteiro no rípio. Pouco a pouco fomos entrando numa paisagem de montanhas geladas. Logo atrás das casas do povoado o cerro Fitz Roy dá as boas vindas, um pouco tímido entre algumas nuvens, mas sempre com a majestade de ser uma das montanhas mais cobiçadas por alpinistas do mundo todo.
El Chaltén foi fundada em 1985. Nasceu e cresceu como ponto de partida para quem quer escalar o Fitz Roy e o temido Cerro Torre (que é tema de um filme do Werner Herzog, O Coração da Montanha). Pouco mais de uma dúzia de ruas sem calçamento, um único e precário posto de combustível e dezenas de pousadas, hotéis, albergues e campings. Tudo tomado por alpinistas e aventureiros que procuram a cidade, que foi declarada Capital Nacional do Tracking, para a suas férias.
Nesta cidade de muitos idiomas conseguimos a muito custo (muito mesmo!) uma vaga num hotel muito confortável, com vista para o Fitz Roy. Café da manhã muito acima da média argentina, calefação e atendimento muito atencioso.
Mas chove em El Chaltén. E com isto o que a cidade tem de melhor fica quase invisível. As trilhas que levam aos principais mirantes são de pelo menos uma hora de caminhada. E, além da chuva, há um vento intenso e contínuo que zumbe nas orelhas e gela os ossos.
Mesmo assim, desfrutando do Capitão Rodrigo, que é um enorme diferencial nestas horas, fizemos uma sensacional incursão motorizada de 40 km pelo Parque Nacional de Los Glaciares. Os cenários são extremos. Rios azuis esverdeados, rios de águas brancas e leitosas, lagos, cascatas, bosques cinematográficos.Tudo emoldurado por montanhas cobertas de gelo, as vezes azul, as vezes branco.
Agora é esperar que o sol revele a plenitude das montanhas.

10 comentários:

Anônimo disse...

Olá casal! Estamos aqui desejando um feliz aniversário pra tia soninha :D

Aposto que este deve estar sendo um dos aniversários mais emocionate que a tia já teve, pois com imagens estonteantes como estas que vemos aqui no blog, nao há como negar!

Felicidades e sucesso na sua caminhada!

São os votos de todos!

beijos e abraços

saudades :p

Anônimo disse...

Soninha um super feliz aniversário que possamos compartilhar muitos e muitos anos juntas.
Beijão e tim, tim com vinho ou champanhe!
Lili

Unknown disse...

Gastão, meu querido.

Enquanto vocês desbravam a América do Sul, o Colorado também segue, firme e forte, como o clube mais Internacional do Brasil, representando-nos muito bem lá fora.

Brincadeiras à parte, tô muito feliz por vocês e acompanhando todos os movimentos.

Saudações Coloradas.

Um forte abraço,
Fábio

Unknown disse...

Soninha, parabéns com 48h de atraso. Tudo de bom, mesmo! E mais e mais viagens e aventuras poela vida afora.
Guilherme, Regina e Diego.

Arno disse...

Parabéns atrasado Soninha...
Gastã , abraço COLORADO ...
PS: VEJA O GOL DE BICICLETA DO NILMAR !!

aRNO

JosiVill disse...

Hello queridos!
Dois dias de atraso mais ai vai um Feliz Aniversario pra vc maninha.
Nossa as fotos estao realmente lindas e as descricoes complementam esta tudo perfeito, que seja assim ate o final.

Grande Beijo

Unknown disse...

Amigo Gastãozinho!
Baita viagem, tchê!
Já fiz algo semelhante. E o destino era Ushuaia, mas em Bariloche derivamos para Puerto Monte no Chile e seguimos viagem ao norte. Isto aí é uma maravilha. Aproveitem. Estilac Xavier

Anônimo disse...

Grande Gastão!
Informado pela Sana da viagem e do blog, tornei-me caroneiro. Avisei a gurizada também. Beijos e 'suerte'.

joão ferrer

Unknown disse...

Copio o João Ferrér: também sou "caroneiro" via-blog.
Abraços.
Estilac Xavier

Unknown disse...

Mega amigo Gastão! Adorei te "ver" e passageiro de tão bela viagem... Vastas e boas aventuras, imagens e emoções. Abração. Rita Machado